“Fui traída de novo”: o que a neurociência nos revela sobre padrões emocionais e escolhas afetivas

Ser traída uma vez é uma ferida.
Ser traída novamente, num relacionamento onde houve entrega total, é um trauma que abala a estrutura da nossa identidade.
Mas por que isso acontece? Por que, mesmo com mais maturidade, ainda repetimos padrões?
A resposta está além da dor. Ela está na forma como nosso cérebro foi treinado para amar — e, muitas vezes, para aceitar migalhas de amor.
1. A repetição de padrões: o que a neurociência explica
Nosso cérebro é uma máquina de sobrevivência. Ele aprende por repetição, principalmente na infância, através das experiências emocionais vividas com figuras de apego (pais, cuidadores, etc.). Quando uma pessoa cresce em um ambiente onde amor e dor caminham juntos, o cérebro associa a intensidade emocional ao "amor verdadeiro".
Ou seja:
O sistema límbico (responsável pelas emoções) é condicionado a buscar o que é familiar, e não o que é saudável.
Isso cria um ciclo chamado "loop afetivo inconsciente" — a pessoa se sente atraída por relações que confirmam a história que ela conhece:
“Eu preciso me esforçar para ser amada.”
“Eu tenho que perdoar tudo para manter alguém ao meu lado.”
2. Por que alguém trai? A sombra da carência emocional mal resolvida
Traição não é apenas um ato impulsivo — muitas vezes é reflexo de um ego imaturo que busca validação fora, porque não aprendeu a se nutrir por dentro.
Do ponto de vista neurobiológico, a traição ativa o sistema de recompensa (dopamina), principalmente em pessoas com baixa autorregulação emocional.
Exemplo prático:
Pessoas com apego evitativo ou ansioso têm dificuldade de sustentar intimidade emocional. Quando sentem que estão sendo vistas demais ou cobradas demais, inconscientemente se sabotam — e a traição vira uma forma inconsciente de fuga, de controle, ou de buscar prazer sem compromisso.
Mas reforçando:
A responsabilidade é de quem trai.
Entender os mecanismos não justifica, mas ajuda a romper o ciclo.
3. Como se libertar do padrão de “amar demais quem não retribui”?
Exercício 1 – Reescrevendo a história de apego
- Pegue papel e caneta.
- Escreva: “O que o amor significava para mim quando eu era criança?”
- Depois: “Quais atitudes dos meus pais ou cuidadores me ensinaram sobre merecimento?”
Esse exercício ativa o córtex pré-frontal (área do cérebro responsável pela autorreflexão e tomada de decisão), ajudando a sair do modo automático.
Exercício 2 – Declaração de fim de ciclo
Leia em voz alta (e, se puder, escreva com sua própria linguagem):
Eu escolho romper com o padrão de aceitar migalhas de amor.
Eu reconheço que não sou culpada por ter sido traída,
mas agora sou responsável por não me trair mais.

4. Transformando dor em potência: o caminho do recomeço consciente
Um casamento pode ter falhado, mas isso não significa que você falhou.
Relacionamentos não são certificações de valor. Eles são espelhos — e às vezes, o reflexo vem distorcido pela carência de quem está ao lado.
A partir do momento em que a pessoa começa a se olhar com compaixão, com amor próprio enraizado, ela deixa de buscar em outros o que já carrega dentro de si.
5. Experiência prática – Uma cliente, um espelho
Lembro de uma cliente que, após dois relacionamentos abusivos, dizia:
“Acho que tenho dedo podre.”
Mas, na verdade, o que ela tinha era uma história de infância marcada por abandono emocional.
Durante nossos encontros, ela percebeu que nunca tinha sido ensinada a estabelecer limites.
Ao aprender a se priorizar, ela não apenas se afastou do ex — como também se abriu para uma nova relação baseada em reciprocidade. Hoje, ela mesma diz:
“Não foi o outro que mudou. Fui eu que mudei o que tolero.”
Conclusão:
A cura começa com consciência.
Você não está quebrada. Você está em processo de renascimento.
Ser traída não é um reflexo do seu valor, mas sim do limite do outro.
Agora é tempo de se reeducar emocionalmente — com amor, com firmeza e com visão.
Quando a coragem de recomeçar encontrar espaço no seu coração, saiba que existe um caminho — e ele não precisa ser trilhado em silêncio. Você não precisa dar conta sozinha de um coração que só queria amar.